Uma Promessa Cumprida
Após tantas semanas de promessas: o primeiro conto divulgado por aqui.
Finalmente, é com orgulho (e temor também) que trago a vocês um Conto de Natal. Deixem seus comentários à vontade, críticas também.
Esse conto foi um presente a um amigo secreto no grupo de escritores do desafio NaNoWriMo, como todo desafio entre escritores, não poderia ser simples. Tínhamos que escrever os contos de acordo com algumas diretrizes dadas pelo amigo secreto. Primeiro era obrigatório usar 3 palavras escolhidas pelo amigo, ele também podia colocar uma música de inspiração e colocar outras observações. Até mesmo poderia ser um conto de natal nada natalino.
Eu poderia dar tantas outras explicações, sinto mesmo que poderia tê-lo escrito melhor em muitos aspectos, porém, como havia um prazo e meu perfeccionismo jamais estaria pleno escrevendo em apenas um mês, devo dizer que o resultado me deixou bastante contente.
Sem estender-me demasiado, no último parágrafo antes do conto deixo as observações do amigo secreto para que possam verificar se está dentro do pedido. (As ilustrações foram feitas pela IA porque eu sou uma péssima desenhista, mas sentia que precisava deixar visíveis minhas ideias).
Palavras obrigatórias: Magia, cacto, ator.
Gêneros: Fantasia e Aventura.
Música de inspiração: Evening Star - Judas Priest
Observações: poderia ser natalino, mas não o clássico clichê.
Meta: entre 1,500 a 5,000 palavras - Contagem final: 2,411 palavras.
Estrela do Anoitecer - Um Conto de Natal
Era madrugada quando tudo aconteceu. Foi tão rápido que Nathaniel não teve alternativa, senão aceitar a jornada que se impunha à sua frente.
O mar estava calmo, a tripulação dormia tranquilamente, ele mesmo estava deitado em sua cama, olhando para o céu desde a claraboia de seu quarto, pensando em como sua vida se converteu em algo tão tranquilo, tão inimaginável para o seu eu antigo.
Nathaniel já apresentava longos cabelos e barba brancos. Acinzentado, corrigia ao olhar-se no espelho. Não era velho, pensava. Apenas viveu o suficiente para saber que o melhor era abandonar os sonhos da juventude e aceitar uma vida tranquila.
Após anos dedicados ao transporte de cargas, sentia que sua vida era bastante confortável. Confortável demais. Ainda que estivesse resignado com seu destino, algo o inquietava, não podia dormir, especialmente nesta época do ano. Parecia que ela brilhava mais forte do que nos anos anteriores. Chegava mesmo a ser irritante.
Por décadas ele a via surgir no céu nos últimos meses do ano, brilhar, quase dançando, só para ele. Se ao menos ele se esforçasse para prestar atenção no que ela dizia, talvez ele poderia escutar..., mas não. Depois de tanto tempo apenas tentava ignorá-la.
— O passado ficou para trás. — Repetiu a si mesmo baixinho e virou de lado a fim de evitar, inutilmente, o céu. Não era só a luz que parecia cegar, era aquela voz tornando-se cada vez mais incômoda, por mais que tentasse ignorá-la.
Enfiou a cabeça no travesseiro até quase asga-lo com suas mãos. Irou-se de tal modo que resolveu despertar a tripulação e preparar o navio para partir.
Não há por que esperar, afinal de contas descansar é perder dinheiro. Pensou, enquanto ele mesmo se enfiava entre os anões queixosos para desamarrar as velas e puxar a âncora. Quando já estava tudo preparado e o navio iniciou seu curso, a maioria dos anões voltou para suas camas, enquanto Nathaniel tomou seu lugar no mastro, o olhar fixo no horizonte.
Foi aí que estourou. Algo grande e pesado caiu no convés, contorcia-se como uma só coisa monstruosa. Ouvia-se resmungos e pernas debatendo-se quando ele desceu para ver. Um elfo tentava livrar-se de um homem cacto que estava preso às suas costas, da mesma forma que o cacto se debatia, fazendo entrar mais espinhos na carne do elfo.
— Parem com isso. — A voz de Nathaniel reverberou como um trovão. Até as gaivotas deixaram de voar, e os poucos anões que ainda estavam presentes se esconderam.
Ao perceber que bastava com que se acalmassem, se desvencilharam rapidamente um do outro. Porém ainda falavam de maneira ofegante e ao mesmo tempo, algo sobre fogo, fugir ou aquela palavra obscena.
O olhar de Nathaniel se transformou em questão de segundos, da raiva ao ver aqueles dois intrusos em seu barco ao puro espanto em perceber que no cais uma multidão formada pelos mais diversos tipos de seres se aproximava com tochas gritando, atrás daqueles dois.
— Mas que merda? — Gritou, seguido de ordens para avançar mar adentro o mais rápido possível. Uma multidão enfurecida e possivelmente bêbada não se importaria de queimar seu barco para se livrar de dois arruaceiros.
Toda a tripulação foi acordada novamente e por muito pouco o navio foi salvo das bolas de fogo lançadas desde o píer, graças ao contra-ataque dos anões. Cansados, mas enfim a salvo.
Por enquanto. Pensou Nathaniel. Precisava livrar-se dos dois intrusos antes de chegar em qualquer outro porto, pois seriam avisados mais rápido do que o navio pudesse navegar.
Elfo e Cacto se encontravam rodeados de um grupo de anões que impediam que fizessem outra besteira, apesar de que se mostraram bastante prestativos na luta contra os ataques vindos do porto que acabaram de deixar. Ambos resmungavam a meia voz, culpando um ao outro.
— Muito bem. — Nathaniel falou cada palavra pausadamente conforme descia as escadas no mesmo ritmo, os dois intrusos pararam de murmurar e o fitavam com medo. — Eu não gosto de abandonar os homens no meio do mar, mas acho que não tenho escolha.
— Er, veja bem... não é preciso... — Podemos conversar...
Os dois balbuciavam ao mesmo tempo e isso divertia os anões, que começaram a rir até contagiar o seu capitão, o que os deixou novamente em choque sem saber se sua ameaça tinha sido real ou não.
— Não vou jogá-los. E não venham com essa porcaria. — Disse apontando para um saco de dinheiro que o elfo tinha começado a tirar de sua bolsa. — Isso é um insulto. Então sugiro mais cuidado com suas próximas ações. Primeiramente, expliquem-se. Por que são perseguidos e por que deveria escondê-los?
Os dois se entreolharam por um curto minuto antes do elfo começar:
— Foi uma besteira, briga de jogo, sabe? Os jogadores sempre estão cheios de adrenalina e se exaltam fácil quando encontram adversários superiores.
— Sei bem que tipo de adversários superiores vocês devem ser. — Nathaniel bufou um riso irônico. — Ainda tentaram me comprar com esse dinheiro roubado. Não está melhorando a situação de vocês.
— Sabe de uma coisa? — Cacto respondeu depois de engolir em seco. — Você tem razão. Somos horríveis, roubamos dos jogadores e fomos descobertos.
— Mas o quê? — O elfo lhe dizia quase espumando com os olhos arregalados, e recebeu apenas um dar de ombros.
— É sério. — O Cacto continuou ao ver o que ele achou um sinal de aprovação da parte do velho barbudo à sua frente. — Não posso prometer que vamos agir diferente, mas eu não gostaria de morrer tão jovem.
— Está bem. — Disse Nathaniel dando as costas para os dois e dirigindo-se ao seu gabinete. — Sua plantinha é mais sensata do que você elfo. Venham.
Ambos o seguiram, sem poder indignar-se com as ofensas daquele ao qual suas vidas dependiam agora. O gabinete era amplo e bem arrumado, havia uma estante do piso ao teto com vários títulos famosos em todo universo, havia também ali um divã e uma mesa de madeira maciça onde se encontrava um mapa aberto do planeta que estavam.
— Não posso simplesmente escondê-los. Em qualquer outro porto desse planeta vocês serão encontrados. — Nathaniel começou a passar as mãos pelo mapa, então resolveu fechá-lo. — Só que esse navio tampouco está em condições de viajar pelo espaço agora.
— Eu posso ajudar. — O elfo deu um passo à frente. — Tenho bastante conhecimento sobre magia interespacial.
— Eu topo qualquer trabalho. — Acrescentou prontamente o cacto. — Todos sabem que meu povo é ótimo com consertos, além das defesas.
— Vejo que estão desesperados. Mas não é suficiente. Há anos não faço viagens desse tipo, não temos aqui o equipamento adequado.
— Eu... poderia dar uma olhada? — O cacto aproximou-se da mesa.
Nathaniel revirou os olhos e levou-os por uma escada retilínea até o porão, onde ficava a sala de máquinas. Estava escuro e empoeirado, demorou um pouco até os fios perceberem que também podiam transmitir energia por ali e todo o ambiente ficou finalmente iluminado.
O cacto andou por todos os lados e não conseguiu encontrar o problema que Nathaniel lhe dizia. Isso falta, este deveria emitir uma luz azul, aquele está ao contrário. A cada porém o cacto emitia sua solução e consertava o que parecia sem jeito, deixando o capitão sem saídas.
Um olhar trocado com o elfo já dizia tudo, Nathaniel não queria fazer uma viagem intergaláctica, entretanto era sua única opção. A saída daquele porto fê-lo cúmplice, já estava condenado. Sabia que precisava deixar de lado o medo daquele chamado.
Um movimento de cabeça e um grupo de anões se prontificou em ajudar o cacto e o elfo a operar a sala de máquinas, enquanto Nathaniel subia ao seu gabinete e se sentava em seu divã sem dizer uma palavra. Aliás, ali naquele porão não se escutou mais que rangidos e borbulhas do líquido azul mágico que voltava a circular por toda a parte.
Nathaniel finalmente sentiu todo o cansaço da aventura e adormeceu antes mesmo de ver os primeiros raios de sol surgindo no horizonte, ou sentir que já não navegavam por aquele mar, seu velho conhecido.
Ele escutou uma batida na porta, ao abri-la quase foi cegado pela luz que dominava todo o espaço exterior, mal tendo tempo de cobrir os olhos com o braço. Agora ele escutava com mais clareza que aquela luz chamava o seu nome e arriscou dar uma olhada, mas nada viu, porque ele então acordou. As batidas na porta seguiam.
Esfregou os olhos e por fim levantou-se. Um anão segurava uma bandeja com carne, metade de um pão e uma xícara de café, era seguido pelo cacto e pelo elfo. Nathaniel não se incomodou de perguntar como passaram a noite e fê-los entrar.
— Certo. — disse enquanto saboreava um pernil maior do que sua cabeça. — Qual é o planeta mais próximo que posso deixar os dois?
Eles se entreolharam e passaram a gesticular um para o outro, sem saber o que dizer.
— Mas não é possível, será que são buscados em todo o universo? — Nathaniel deu um soco na mesa.
— Quase. — Começou explicando o elfo. — Tínhamos esperanças de ir para um lugar específico, bem longe de problemas. É uma oportunidade única apenas nessa época do ano.
— Vocês querem que eu vá em direção à Estrela do Natal? Só pode ser brincadeira. Parece até que estavam planejando aparecer no meu navio.
— Íamos procurar o nosso transporte, o que aconteceu ontem só acelerou um pouco as coisas. — Acrescentou o Cacto.
— Veja — o elfo disse calmamente enquanto se sentava com os cotovelos apoiados nas coxas, como se estivesse explicando para uma criança — será uma vantagem para todos nós. Dizem que há uma magia especial nessa estrela, são poucos os que podem ver de perto as maravilhas que ela faz e os presentes aos que se arriscam a encontrá-la.
— Isso é tudo besteira. — Disse Nathaniel levantando-se. — Histórias para crianças.
— Eu concordo com você. Meu povo não comemora essas coisas. — Disse o cacto em um tom melancólico. — Só que também é o lugar mais longe dos problemas. Não custa nada tentar.
Nathaniel parou de caminhar, ignorando o que falavam sobre essa viagem ele apenas escutava: Nathaniel, venha. Estou te esperando. Há anos estou esperando. Nathaniel. Era ela, agora podia ouvir claramente e não tentou ignorar.
— Ah, eu adoro. — Foi o que ele escutou o elfo dizer em resposta a algo que o Cacto comentara, enquanto saía do seu devaneio. — Em dezembro também faço anos.
— Meus parabéns. — Ironizou Nathaniel. — Você tem a magia necessária para chegar até lá? Os equipamentos estão realmente em condições?
Ambos assentiram com a cabeça sem hesitar. Um anão entrou e ordens foram dadas. Houve uma grande movimentação ao início, mas incrivelmente ordenada, ainda que não fizessem viagens desse tipo há anos, os anões não se esqueciam e operavam as máquinas com a mesma destreza que tiveram no passado.
Então eles mergulharam na escuridão do universo, tendo apenas aquela luz pulsante como sua guia, para Nathaniel não deixou de sussurrar-lhe, e apenas a ele, que o estava esperando.
***
O Navio parou de acelerar e planava no vazio. Homem, elfo, cacto e anões deixaram seus postos na sala de máquinas para subir ao convés. Tudo estava silencioso e calmo, do lado de fora uma luz brilhava mais forte que qualquer outra estrela, mas não chegava a cegar ou doer os olhos. Era linda. Sua força era tanta que sugava todos os planetas e corpos celestes para si, em um maravilhoso redemoinho.
— Jamais havia visto um tornado espacial tão de perto. — Cacto comentou.
— É, é lindo. — Disse o elfo.
Nathaniel quis dizer o mesmo, mas algo o impedia. Esse sentimento de que algo tão belo estava incompleto. Faltava alguém ali com quem compartilhar tanta beleza, alguém que lhe importasse o suficiente. Por mais difícil que tenha sido o seu passado, ele podia imaginar sua família ao seu lado se maravilhando com aquela visão. Também conseguia imaginar as piadas, as brigas que também surgiriam, e depois de tantos anos se pegou rindo dessa situação.
— Você não está pensando em entrar lá, está? — Perguntou o Cacto.
— É claro que sim, para isso viemos.
Os anões permaneceram como estátuas nos seus lugares, trabalhando quase imperceptivelmente nas máquinas aumentando a velocidade. Estavam tão rígidos que os protestos do cacto e do elfo eram inúteis.
Sentiram um grande solavanco e de repente estavam no meio do furacão.
***
Nathaniel estava sozinho e tudo estava branco ao seu redor, imerso num infinito de luz. Seu navio, seus companheiros de viagem, não os via, mas ao mesmo tempo sabia que estava tudo bem.
— Nathaniel. — Escutou a mesma voz da estrela que lhe chamava vindo de todas as partes. — Seja bem vindo.
— Quem é você? — Ele perguntou olhando inutilmente para os lados.
— Eu sou a Estrela do Natal. Há anos venho lhe chamando porque você decidiu deixar de acreditar.
— Eu... Eu vejo agora.
— Você pode pedir qualquer coisa a mim, pode ser que o conceda.
— Eu... eu sempre quis ser ator. — Ele respondeu olhando para baixo, depois de pensar um pouco.
— Nathaniel. — A voz deu uma leve risada. — O seu sonho sempre esteve ao seu alcance.
— Não. Minha família sempre disse que o mais importante era meu trabalho no navio de carga.
— E você deixou sua família com muito rancor, ao mesmo tempo que não realizou o seu sonho também. De todo modo foi uma escolha sua.
Ele levantou a cabeça levemente enfurecido pelo que a estrela lhe dizia. Como poderia aceitar que seu destino poderia ter sido diferente em todo aquele tempo?
— Você estava cego de raiva. — A voz continuava a ecoar por todos os lados. — Mas no fundo você sabe que não precisa deixar de amá-los mesmo que saiba que sua decisão não os agrade. Nunca vai agradar a todos. A questão principal é: vale a pena seguir odiando a todos pelas escolhas que só você era capaz de fazer?
Ele deu uma risada. Por mais difícil que fosse aceitar aquela verdade, ela tinha razão. Então ele entendeu o sentido daquele tempo, daquela estrela que só aparecia naquele período no céu, ele entendeu seu chamado e o presente que recebia. Após todos aqueles anos ignorando tudo e todos, ele sabia o que queria: ele seguiria seu sonho de ser ator e também retornaria ao seu lar para reconciliar-se. Ele já não se importaria que o vissem como o mesmo personagem, que devesse seguir sempre o mesmo papel todos os anos. A partir de agora seria o senhor de seu próprio destino.
Nathaniel mergulhou uma última vez na escuridão.