Ressurgindo como fênix
Quando a vida te dá golpes, às vezes tudo o que precisamos é levantar, limpar a poeira do corpo e seguir em frente.
Passou tanto tempo desde a última vez que escrevi. Carnaval, feriados, férias…Por aqui se parecem muito com todos os outros dias. Faz tempo que datas comemorativas têm significado apenas no calendário para mim. Quando não significam trabalho redobrado na cozinha ou pela mudança de rotina com as crianças.
Por um bom tempo o pensamento de todo o trabalho que dá gerenciar uma casa com crianças pequenas me vinha em forma de lamento. Mas quando já espero os desafios que vão acontecer, quando me antecipo, se torna apenas uma constatação.
Ainda assim, a rotina comum muitas vezes exige um dia para fazer as atividades com mais atenção, mais devagar, é o ponto de controle do caminho, onde olho para o que foi alcançado até aqui e decido quais caminhos tomar.
Após tantas promessas feitas no início do ano e muitos acontecimentos mais para desestabilizar a ideia de que poderiam ser alcançadas, o ponto de controle veio mais do que necessário, veio como uma imposição para não cometer os mesmos erros de planejamentos passados.
Eu sempre me perguntei: “Por que não consigo levar um objetivo/hábito mais do que um par de semanas?”
Já tentei planejar ao mínimo detalhe e perdi muito tempo e energia no processo. Já tentei ser mais prática e não planejar, me senti perdida. Me lembro que em A Educação da Vontade1 o autor diz sobre como é importante alinhar a ideia do objetivo com suas emoções, com seu desejo. Fazer um exercício de imaginar o processo e como aquilo fará com que você se sinta bem, imaginar-se alcançando o objetivo. O famoso “alinhar as expectativas”.
Alinhar as expectativas
Não posso esperar conseguir ter um tempo à noite para escrever, ou à tarde para ler, quando há uma gripe muito forte que nos pegou de surpresa por duas longas semanas, logo após uma viagem internacional com dois bebês. É absurdo frustrar-me com circunstâncias que já estão fora do meu controle, mesmo sendo um mês sem cumprir a meta do Ano da escrita mágica.
Ter conseguido ler quase 5 livros no primeiro mês do ano não significaria que esse ritmo seria possível para os seguintes. Para que correr? Muito mais proveitoso foi esse tempo de pausa, onde decidi reler livros com algum significado emocional para mim.
Reli O mágico de Oz2, e comecei a reler O Ano da leitura mágica3 (que sempre vou defender que o título original é melhor: Tolstoy and the purple chair). Se às vezes me pegava relutante em voltar a escrever por aqui, o segundo livro acabou com as dúvidas, era o que eu precisava, era minha resposta à pergunta que Nina faz a si mesma: Por que continuar? E como continuar? – Ainda que a experiência que a coloca diante desse dilema não tenha comparação com os meus problemas atuais.
Ela leu um livro por dia em meio às suas pilhas de roupas para guardar, refeições para fazer, atividades escolares de 4 filhos nas quais estava envolvida. Sem falar em todas as emoções que passava ao longo desse ano com tudo o que já havia acontecido. Ainda que tenham se passado 4 meses desde o começo desse ano, essa leitura veio com a esperança de que eu ainda consigo escrever todos os dias, ainda consigo fazer desse ano o Ano da Escrita Mágica.
Amarras
Por muito tempo minha insegurança e opiniões externas me deixou paralisada quanto à escrita. Quando eu era mais nova o foco deveriam ser os estudos, escrever era para ir bem em redação. Quando saí do colégio ainda pensava em escrever histórias, mas também não era a prioridade, entrei em grupos que me faziam pensar que eu estava muito atrasada com meu conhecimento de mundo, tomei outras decisões para minha vida, mudei de país, virei mãe.
De certa forma quando virei mãe meus olhos se abriram. Muito do que eu escutava de influenciadores começaram a me parecer um pouco absurdas. Os grupos que eu participava, pessoas que seguia, comecei a deixar pouco a pouco.
Não vou negar que eu quis ser igual, eu quis seguir o que me diziam – como tantas outras pessoas estavam fazendo. Eu poderia dar muitos exemplos de como estar fechado dentro de uma bolha é prejudicial, porém o mais marcante foi em relação à escrita. Se o meu grupo dizia que determinada literatura é moralmente má, ou simplesmente ruim porque não é clássica, ou os personagens são um mau exemplo, ou porque o autor era x, fazia y, qualquer coisa do tipo; então eu pensava: o que posso escrever? Eu imaginava que teria que seguir uma série de regras, pensar em todos os mínimos detalhes para encaixar nas ideias desse grupo e trazer uma história com uma moral impecável e uma lição final completamente virtuosa.
Provavelmente não agradaria sequer às pessoas desse meio.
Me peguei pensando: por que eu não posso só escrever? Escrever sobre qualquer coisa, sobre o que eu quiser. Um livro de mistério, um livro infantil, um romance, qualquer coisa. Apenas escrever.
A verdade é que minhas amarras estavam apenas dentro da minha mente. Ninguém está concretamente me impedindo de escrever. E se não for esse meu público alvo, e daí?
Me lembrou o final do filme “Como perder um homem em 10 dias”, onde Andie, depois de entregar o artigo perfeito de sucesso que alavancaria sua carreira, pergunta à chefe:
― Agora tenho liberdade para escrever sobre o que eu quiser?
Ao que a chefe responde:
― Claro, qualquer coisa, o céu é o limite.
Mas qualquer coisa que seja sobre maquiagem, sapatos, beleza, emagrecimento. Contanto que seja o céu da bolha, você pode fazer tudo o que quiser abaixo dele.
A primeira vez que assisti a esse filme me perguntava como é que ela acreditou que teria liberdade para escrever sobre temas que estão fora das ideias da revista? Talvez Andie estava cega como eu para ver que apenas ela poderia liberar-se dessas amarras, para entender que se queria escrever sobre política, economia e religião bastava tentar buscar trabalho em outro lado (aí não teríamos a história para esse filme).
Estar tanto tempo ausente de uma simples página em branco me fez questionar se eu poderia voltar a escrever, se encontraria algo para dizer ou alguém para ouvir. Mas se eu não criar coragem e enfrentar essa tela branca diante de mim, quem vai? Se apenas aceitarmos a derrota, pode ser que nada mais nos abale, mas também nada nos poderá erguer. E aquele livro, aquele sonho estará cada dia mais distante.
É tempo de sacudir a poeira, endireitar-se e seguir em frente. Uma palavra de cada vez.
Ótima reflexão!
Me lembrei disso: "a direção é mais importante que a velocidade".
Muito boa essa reflexão! Para mim, foi super importante ler isso hoje. Eu me identifiquei bastante especialmente na parte de um certo bloqueio - no meu caso relacionado à ilustração, de que eu deveria fazer a coisa "certa", "bela", "profunda" perante a bolha. Isso me causou uma ansiedade em algo que eu na verdade gostava de fazer, me fez travar e perder tempo que hoje é tão valioso pra mim.
O seu texto me motivou a não desistir e nem me deixar abater apesar das correrias cotidianas com a rotina e filha, e um milhão de coisas que surgem e como parece as vezes que não conseguirei fazer nada do que gostaria. Mas é isso, alinhar as expectativas e seguir em frente.
Fiquei com vontade de ler "O Ano da Leitura Mágica"