Memória e outros assuntos.
O que uma data comemorativa, livros históricos e uma casa antiga têm em comum? Às vezes muito assunto e recomendações.
Dia 23 de abril, há exatamente uma semana, foi o dia Internacional do Livro. “E como você comemorou?” Me perguntaram. Eu só consigo rir comigo mesma e lembrar do rosto do Augustus Gloop no filme A Fantástica Fábrica de Chocolates, de 2005, aquele com o Jhonny Depp como Willy Wonka.
A vontade era grande, mas a verdade é que já havia comprado dois livros em promoção uns dias antes. O Dia do Livro não teve celebração, se eu me lembro bem acho que foi um dos dias que menos li desde que consegui retomar o ritmo, uma ironia do destino.
Quando me mudei para outro país percebi que as pessoas aqui parecem levar mais a sério algumas datas comemorativas, além das grandes e tradicionais ― Carnaval, Páscoa, Dia das Mães, Natal. Não necessariamente é preciso uma celebração, mas as pessoas se lembram ou dizem “Feliz día de la papa” mesmo que na brincadeira, enquanto eu fui me lembrar que 21 de abril é Tiradentes apenas esse final de semana. Como foi um domingo é possível que mais pessoas tenham esquecido, e quem lembrou se lamentado por não ter caído um feriado no meio da semana.
Por aqui, meu esposo comenta o dever de decorar as datas comemorativas na época do colégio ― ele não é tão velho quanto suas falas possam pretender ―, como seu pai tomava essa lição antes de irem à escola, caso fosse um dia importante mesmo que não um feriado. Dias e tradições que me encantaram, ao mesmo tempo que me causaram uma certa tristeza porque eu não tive esse ensinamento em relação à história do meu país. Mea culpa, eu sempre rejeitei essa matéria por me considerar mais esperta na área de exatas.
E porque eu sempre achei minha memória péssima para fatos históricos. Engraçado que hoje minha filha completa o seu primeiro ano de vida, nesse domingo eu lembrava de seu nascimento, também caiu num domingo, havia procissão de La Virgen de Chapi, fogos, música, frio. Ela nasceu às 18h47, pesando 2,895 gramos e medindo 47 centímetros. Ok, para mim é mais fácil decorar números.
Independente de ser fácil ou não, percebi a necessidade de me aprofundar em alguns assuntos que talvez possam ajudar inclusive no meu processo de escrita. Porque como eu disse antes, tudo pode servir como material para a inspiração, vários autores são prova disso. Alexandre Dumas fez isso em Os três mosqueteiros1 e sua sequência (estou lendo atualmente Vinte anos depois2) de usar fatos históricos reais e personagens que existiram na vida real, apesar de todo o enredo ser criado da sua mente.
Também Mario Vargas Llosa, um escritor peruano, cria ficção em cima de nomes e acontecimentos reais em La fiesta del Chivo3, onde se utiliza da época da ditadura de Trujillo na República Dominicana.
Mas não é preciso ir muito longe, ou fazer uma extensa pesquisa sobre toda a história do Brasil ou do Perú para começar a dar forma a essas ideias ― às vezes tanto desejo de estudar história global, ou astronomia para escrever um ficção científica, ou ciência forense para escrever um bom livro de mistério, acaba sendo uma espécie de autossabotagem, eu nunca vou estar pronta pra escrever se não estudar x… se não ler y… ―, às vezes basta um olhar para o que está ao nosso redor, um pouco de paciência para o que as pessoas têm a nos contar.
O quanto uma simples casa pode abrigar de histórias? Só a casa dos avós do meu esposo, construída por eles na década de 50, já hospedou tantas pessoas, da família e de fora, estrangeiros, inclusive os sogros da minha sogra. Já foi parte mercearia, outro tempo gráfica. Sobreviveu a terremotos, terrorismo e sabe-se lá o que mais.
Quem chega agora e a observa jamais imagina o que essas paredes vivenciaram algum dia, experiências que se encontram na memória de poucos.
Esses dias minha irmã descobriu que o engenheiro do prédio para o qual ela se mudou era pai de uma conhecida. Você já se perguntou qual história o lugar que você mora carrega? Vivências não escritas que vão morrendo com os mais velhos, que tinham a paciência para ver e ouvir ― e memorizar, não sei se conscientemente ou se fixava na memória porque eles prestavam mais atenção ― esses fatos importantes.
Quando os temas coincidem
É engraçado quando no meio de um momento monótono e cotidiano da vida começam a aparecer várias fontes falando sobre a mesma coisa. Podem até dizer que é o algoritmo, afinal as pessoas falam sobre o que está em alta no momento. Mas como explicar um tema lido em livro escrito há pelo menos 10 anos e um texto de outra pessoa no substack? Ou um pensamento há muito esquecido que ressurge quando você vê algo na televisão, um amigo faz um comentário, outro livro com uma frase que faz com tudo se encaixe e pareça uma coisa só. Como se tudo estivesse combinado para coincidir no mesmo assunto.
Talvez eu esteja ficando louca e é realmente uma questão de interesses, afinal vou rodando em volta daquilo que me atrai e muitas vezes o ambiente chega a coincidir como algo natural, diferente da explicação extraordinária almejada.
Digo isso porque no texto do domingo passado
menciona a falta que faz a literatura de especialidade.É aquele [livro] que, bem escrito em primeiro lugar, trata de algum ofício raro e especial, que guarda muitos segredos ancestrais e aspectos interessantíssimos, para além da mera disponibilidade nas lojas e prateleiras.
Leiam o texto completo no link abaixo em recomendações. Mas SIM, precisamos de mais literatura assim. Me lembro quando estudava confeitaria no Senac de como me encantei com os livros como Um menu de aventuras4, onde Phoebe mistura suas vivências como garçonete num restaurante de luxo, ao mesmo tempo que ensina a excelência nessa ocupação. Ou com História da Gastronomia5, ou Gastronomia no Brasil e no mundo6, mas que não tinham a pessoalidade de Um menu de aventuras, e sentia que precisava encontrar mais livros desse tipo ― uma busca sem muito sucesso.
Não sei se esses títulos cabem ao que o Fernando queria dizer, mas tive o mesmo sentimento dessa falta, e não é de agora. Quem sabe um dia eu também escreva um livro que misture gastronomia e ficção.
Por enquanto posso mencionar os documentários do Eugenio Monesma (em recomendações), que podem preencher um pouco a curiosidade sobre ofícios perdidos.
Uma boa semana e um bom feriado a todos!
Recomendações:
Esse texto do
, escrito pelo , diz tudo o que eu gostaria de falar, e talvez até mais: #20. Elogio da Normalidade.A newsletter do
(sem ressentimentos, rs).
Lucianna, obrigado pela menção tão gentil. Sim, na mosca: é desse tipo de literatura que falo. Talvez seja falta de informação minha, mas no Brasil anda em falta livros assim. Sei que havia livros de culinaristas (existe o termo ainda?) antigos ou de moda, quando estava em voga os estilistas e costureiros, como Clodovil. Mas digo hoje, sendo produzidos por gente na ativa.
De novo, obrigado. 🙏